12 janeiro 2007

A Falácia do Sucesso (Victor Hugo)

A cada vez que sou obrigado a assistir um trecho de BBB (necessidade pelo trabalho), penso na inutilidade dessas coisas que aí estão boiando na TV, nos livros e revistas. Ontem aguardava na recepção de uma clinica e, sem alternativa, fiquei folheando as revistas para matar o tempo. De todas, sem exceção, se fosse possível rasgar o que não servia para absolutamente nada (vontade não me faltou), restaria pouco mais de 20% da edição original.

Há coisas tão absurdas que você simplesmente fecha a revista para depois abrir e ver se ainda estão lá numa tola esperança que certas coisas não tenham passado de ilusão. Há instruções de tudo. Descobri que criaram um manual de instruções para a vida e ele está nas páginas das revistas femininas (algumas publicações masculinas já prometem essa felicidade se seguidos todos os passos) e nos livros de auto-ajuda (mas isso também não era novidade). Só Victor Hugo para explicar:

"Abominável coisa é o bom êxito, seja dito de passagem. A sua falsa parecença com o merecimento ilude os homens. Para o vulgo, o bom sucesso equivale à supremacia. A vítima dos logros do triunfo, desse menecma da habilidade, é a história. Só Tácito e Juvenal se lhe opõem. Existe na época e sente uma filosofia quase oficial, que envergou a libré do bom êxito e lhe faz o serviço da antecâmara. Fazei por serdes bem sucedido, é a teoria. Prosperidade supõe capacidade. Ganhai na lotaria, sereis um homem hábil. Quem triunfa é venerado. Nascei bem-fadado, não queirais mais nada. Tende fortuna, que o resto por si virá; sede feliz, julgar-vos-ão grande. Se pusermos de parte as cinco ou seis excepções imensas que fazem o esplendor de um século, a admiração contemporânea é apenas miopia. Duradora é ouro. Pouco importa que não sejais ninguém, contanto que consigais alguma coisa.

O vulgo é um narciso velho, que se idolatra a si próprio e aplaude o vulgar. A faculdade sublime de ser Moisés, Esquilo, Dante, Miguel Ângelo ou Napoleão, decreta-a a multidão indistintamente e por unanimidade a quem atinge o alvo que se propôs, seja no que for. Que um tabelião se transforme em deputado; que um falso Corneille componha Tiridates; que um eununco chegue a possuir um harém; que um Prudhomme militar ganhe por casualidade a batalha decisiva de uma época; que um boticário invente solas de papelão para o exército de Samba e Mosa, e, vendendo-as por couro, consiga arranjar uma fortuna de quatrocentos mil francos de rendimento; que qualquer pobretão case com a usura e a faça parir sete ou oito milhões, de que ele é pai e ela mãe; que qualquer pregador arranje a ser bispo, à força de falar pelo nariz; que o mordomo de qualquer casa grande saia dela tão rico, que obtenha a pasta das Finanças, os homens chamam a isso Génio, do mesmo modo que chamam Beleza à cara de Mousqueton e Majestade à aparência de Cláudio. Confundem com as constelações do abismo as estrelas que os gansos imprimem com as patas na superfície mole do lodaçal."

Victor Hugo, in 'Os Miseráveis'

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