31 outubro 2007

As Estações


Na Primavera
Tu me trouxeste
Tua fronte ornada de flores
E nos amamos nos campos
Entre margaridas e violetas.
Nós dois, dois sem vergonhas,
Nem tão jovens nem adultos,
Debaixo do calor do Sol,
Envoltos no hálito das manhãs.
Eu, como um beija-flor sedento,
Espalhei o pólen do meu amor
Ora em tua boca
Ora em teu seio,
Teus flancos,
Teus sulcos.

No Verão
Tu me trouxeste
Tua fronte brilhante e suada
E nos aventuramos por praias desertas,
Por loucas e imensas jornadas
Bebendo, cantando, dançando
E fazendo amor até romper a alvorada.
Eu, como um esquilo inquieto,
Escalei teu corpo,
Aqueci-me ao Sol do teu calor,
Deslizei dos teus pés à cabeça
E refresquei minha sede intensa
Na saliva do teu amor.

No Outono
Tu me trouxeste
Tua fronte repleta de ventos.
E nós dois, como folhas tontas,
Balançamos em rodopios cinzentos.
Ainda nos amamos como nos velhos tempos,
Mas de morno, eu senti frio
E esse meu desconforto - sentimento torto -
Anunciava o que estava por vir.
Eu, como uma formiga ligeira,
Fugi sorrateira,
Não quis ficar mais ali.

No Inverno
Tu me trouxeste
Tua fronte ferida e distante,
E já não havia amor que curasse
As dores que te fiz sentir.
Só chuvas e lágrimas,
Um frio cortante
Sem cor e sem riso.
Eu, como um rouxinol triste,
Já não te queria aqui
E depois de um canto sem viço,
Alcei vôo e parti.

30 outubro 2007

“Metamos o martelo nas teorias, nas poéticas e nos sistemas.
Abaixo este velho reboco que mascara a fachada da arte!”

(Victor Hugo)

27 outubro 2007

Amor Incontido



Gosto quando me vens aos olhos
E de um esplendor enfeitas o meu dia.
Gosto desse jeito meio debochado,
Desse riso torto no canto do lábio,
Dessa sobrancelha que se atreve, solitária
Num arco, num interrogatório.
Amo-te entre quatro paredes,
Entre quatro apoios
Que suportam o peso do meu corpo inteiro
Sobre o teu inteiramente nu.
Mas te amo também pelo que tens
De mais singelo...
Pelo que és; por quem me torno
Ao estar contigo.
Amo as frágeis curvas do entendimento -
Nós, eternos acostumados aos mal-entendidos -
Que tantas vezes escondem
Nossos reais motivos.
Amo o cheiro dos teus cabelos,
As rugas e rusgas que nos consomem.
Amo até as infinitas brigas
Quando depois te rendes
E te jogas no meu colo
Querendo amar e mais nada.
Amo o vinho,
Amo a madrugada.
E o silêncio estranho dos teus pensamentos insones
Querendo sondar quem eu sou.
Mas amo mesmo, antes de tudo,
A força incontida desse nosso Amor.

Nel mezzo del camin (Olavo Bilac)

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida : longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha

Hoje segues de novo...na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo

23 outubro 2007

Alma Embriagada

Na Noite alta,
Segue minha alma
Embriagada de ti.
Sem notar as pedras no caminho
Escuro, de becos e vielas,
Vai ela, tropeçando,
Bebendo a água das sarjetas,
Abrindo a testa no meio-fio
No meio de emoções confusas,
No meio termo entre te ter ou perder.
“Será Amor ou uma Grande Mentira?”
Pergunta que já fizeste e que agora me persegue.
Que suga meu sangue diluído em tristezas
E arrebenta em meus ouvidos sangrando-os
Mesmo no silêncio da Madrugada que chega
E que sempre me encontra só.
Somente embriagado de ti.

Hai Kai


As ilusões da minha infância:
Algodão-doce na pracinha
E nas nuvens do céu também

Hai Kai




Estrelas são tochas
Que do céu desabam
Em cadentes sinais

Hai Kai


Apita a “maria-fumaça”
Lançando no céu azul
Um inverno fora de época

12 outubro 2007

Poetas (Artur da Távola)

Poeta não é apenas o ser raro que faz versos. É alguém diferente da média, por isso em constante tentativa (frustrada) de se ajustar. É o vibrar de uma sensibilidade extra, que se julga privilegiada conquanto tida como defeituosa, subjetiva e inadaptada pela média das pessoas. O poeta é quem está nos lugares sem ficar, jamais, por inteiro. Acompanha os demais sem, porém, a entrega total com a qual estes se dedicam (e assim se distraem) ao trabalho, jogo ou conversa; é o mais ausente dos presentes, sem que lhe notem a evasão.

Por não estar inteiro nas atividades que encantam e ocupam os demais, o poeta sofre duplamente. Primeiro, por sua incapacidade de plena entrega aos assuntos médios. Segundo, porque vai ficando à margem dos acontecimentos, trocando-os por uma entrada em si mesmo e no universo interior dos sons e palavras.

Nos dias em que sua sensibilidade acorda aguçada, o poeta é o mais bendito dos trapaceiros. Realiza - escondendo o tédio - as tarefas corriqueiras de sua vida e trabalho, pode até assinar decisivos acordos internacionais, programar foguetes voadores, legislar ou realizar vultosas operações financeiras, sem a ninguém transmitir as emoções internas em turbilhão ou borbulha. É como se fosse um receptor de rádio AM/FM. Se está no AM ouve a FM. Se ouve a FM precisa é se concentrar no AM.

Farsante angelical, finge participar da vida dos homens quando, apesar de prestar alguma esforçada atenção ao que faz, a cada respiração ou espaço silencioso, até mesmo quando vai ao banheiro, mas sempre que se percebe sozinho - ainda que por segundos - habita-se por fantasias inenarráveis, memórias teimosas, riquíssimas sensações não verbais, gotas ou litros de depressão e um sentimento inenarrável do mundo. Não há confidente para este sentimento. Só o verso.

O poeta é diletante onde os vorazes são especialistas, é amador onde se entredevoram os profissionais. Especialista e profissional, o poeta só é de si mesmo; quando solitário, a escrever, ou quando a dois, a amar.

O poeta é o mais sublime dos desastrados. Fica aquém para ver além. Quem o compreenderá?

Do Tempo

Cronos devorando seu filhos (1821) - Goya



Tempo, senhorio malvado
Mal agraciado pelos sentimentos.
Tempo irado, detestável,
Com quem temos de conviver.
Tempo inexorável
Que engole os tristes
E mastiga os insatisfeitos.
Tempo do fim das idades,
Das tardes em anoitecer,
Das terras e peles secas,
Dos rios e olhos rasos,
Da força que se esvai
Na seiva que abandona a árvore.
Na falta de viço,
No excesso de siso -
Doença e Morte...
De plantar e colher.
O tempo nada ouve -
Não implore!
Nada vê -
Não se ajoelhe!
E nada crê.
Se espera por um tempo
Para ser feliz,
Para noivar,
Para enriquecer...
Esqueça!
Cronos castrou o próprio pai
E engoliu os próprios filhos;
O que acha que vai fazer com você?

09 outubro 2007

Pescador de Sonhos

Vai Pescador de Sonhos
Lança a tua rede pelo mar
Do sono límpido das crianças.
No mar tranqüilo
Sem vagas e sem ondas
E sem perigos se durante o sono,
Pois não há pecados no ressonar dos anjos.


Vai pescador em tua traineira,
Por entre outros que também se afastam
Do atracadouro dos acordados,
Buscar na noite alta que, derradeira,
Anuncia dos infinitos cardumes, a chegada.

E aqueles brilhos no espelho d´água?
Quem saberia dizer o que são?
Caprichos de uma formosa Lua
Ou de escamas prateadas?

A criança dorme em segurança
Em sua cama no calor do quarto,
Enquanto em seu pequeno oceano
Seu pescador já desligou o barco
E lança a rede pelo mar gelado.

A rede arrasta o fundo do oceano
Revolvendo um grosso cascalho colorido,
E nem chega a turvar a água cristalina
Na Paz do sono, no profundo suspiro.

O pescador, puxando à proa
A rede abarrotada de brilhantes
(Impossível dizer se são estrelas
Ou sardinhas loucas),
Escolhe com cuidado o sonho justo
Do augusto repouso do meu filho
E lança-o sob as ondas louras
Dos cachos do pequeno infante.

O menino agora sonha com o seu pescado
Num sorriso lindo pelo anzol dos lábios
Que só a mãe conhece no carinho.
E o pescador volta ao mesmo porto
Sem ver surgir a nova alvorada,
Aguardando o cair de outra madrugada
Para voltar ao mesmo mar dos contos
E pescar os sonhos do meu menininho.

05 outubro 2007

Meme???

Eu não fazia a mínima idéia do que seria um meme até umas poucas semanas atrás. No entanto, atendendo ao convite do Blogildo e também por ter achado interessante o tema, publico o meu aí abaixo. Esse meme divulga livros e adota o seguinte procedimento:

1ª) Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);
2ª) Abra-o na página 161;
3ª) Procurar a 5ª frase completa;
4ª) Postar essa frase em seu blog;
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6ª) Repassar para outros 5 blog.

Bem, o livro mais próximo não tem a tal página 161, mas cito aqui por ser meu atual livro de cabeceira. É O Jovem Törless de Robert Musil. Se o nome do autor lhe parece familiar talvez você seja frequentador assíduo do blog do Reinaldo Azevedo que contém uma passagem do livro O Homem sem Qualidades logo no cabeçalho do blog. Estou terminando o livro que, diga-se de passagem, recomendo a leitura.

O segundo mais próximo e do qual eu retirei a 5ª frase completa da página 161 é um livro que está ao meu alcance esperando um tempo para ser apreciado. Tentei de uma primeira vez, mas a leitura pede um pouco mais de atenção. Não é um livro para se ler apenas por lazer, por exemplo.

"Entretanto, como um teste da fidelidade desse homem íntegro e direito, seus rebanhos foram destruídos, seus filhos mortos e, por fim, ele mesmo foi "ferido de tumores malignos desde a planta do pé até o alto da cabeça" (II:7)"

(Santo Agostinho: a vida e as idéias de um filósofo adiante de seu tempo / Gareth B. Matthews; tradução, Álvaro Cabral. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007)


Para terminar seguem os 5 blogs da minha lista que leio com frequência para continuar (ou não) a brincadeira, e, que fique bem claro, sem coerção alguma.

1-
Letícia Coelho
2-
Carolina
3-
Fora Apedeuta!
4-
Ricardo Soares
5-
Blogando Francamente

04 outubro 2007

Selena





Vou te perguntar baixinho
Por sob os vidros da janela aberta:
- Que fazes aí, fitando-me ao longe
No horizonte, a face descoberta?
Por entre nuvens, brumas azuladas
Tu te esgueiras pela madrugada
Deslizando em lânguido crescente
Sobre o piso imbuía do meu quarto.
E tua luz, pálida e ligeira,
Lança nas sombras do meu sono maculado,
Por entre venezianas pequenas,
O frescor de tua boca sedutora
No hálito da noite perfumada
Em teu baton brilhante de estrelas.
Tocas meu corpo em parte descoberto
Se insinuando sobre a borda do lençol
Em sinuosas curvas envolventes.
Retraio-me avesso à carícia inesperada,
Mas tu me persegues pela cama alva
Deslizando tua pele leve pela minha seca
Minuto a minuto no altar das horas.
E seduzido me rendo aos encantos
E caprichos daquela face avermelhada
Enquanto ela toca em minha boca,
Abrasa meus sentidos dormentes
E, cambaleante e tonta, fita-me os olhos
Deixando à mostra o seu Mar da Tranquilidade
Na silhueta cheia de beleza plena.
E eu só me lembro de perguntar já num mumúrio:
- Que fazes aqui? Qual é teu nome?
Ela sorriu e chegando em meus ouvidos
Sussurou na brisa da manhã vindoura:
- Dorme menino nos braços de Selena!

03 outubro 2007

A Soledade e a Plenitude



Não há um lugar,
Um sequer, nenhum somente.
Um lugar em que, solenemente,
Prenda-se o fio de minha vida.
Não há paisagens ou paragens de que,
Entre fotos e lembranças,
Eu guarde recordações saudosas -
Venturosas esperanças.
Não há sorrisos de que sinta falta,
Nem angústias em minha solidão.
Não lembro de beijos, cheiros, toques
Nada é, pois, prisão aos meus sentidos.
Nem há nada que me provoque
Ou fustigue a mansidão do meu castigo.
Sou um louco, um triste, um solitário,
Dirão outros por vezes ao me ver
Melancólico nesse sóbrio devaneio,
Sozinho num umbral negro e fecundo
Em busca de alguma seiva em minhas raízes.
Sou poeta, arcanjo, um santo, um vil,
Mas vivo essa loucura casta,
Ardente como uma febre juvenil,
De alma limpa e de corpo inteiro,
De peito aberto, à mostra as cicatrizes.
E sigo assim por esse e pelo outro mundo,
Como um confesso perdulário
Que tem somente a soledade e a plenitude -
- E para quem isso já basta!

02 outubro 2007

O Mundo é um Moinho (Cartola)




Ainda é cedo amor.
Mal começaste a conhecer a vida.
Já anuncias a hora da partida.
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar.
Presta anteção querida, embora eu saiba que estas
resolvida.
Em cada esquina cai um pouco a tua vida.
Em pouco tempo não serás mais o que és.
Ouça-me bem amor.
Preste atenção, o mundo é um moinho.
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos.
Vai reduzir as ilusões a pó.
Preste atenção querida.
Em cada amor tu herdarás só o cinismo.
Quando notares estás à beira do abismo.
Abismo que cavastes com teus pés.