21 julho 2007

E.E. Commings

Eu gosto do seu corpo
Eu gosto de que ele faz
Eu gosto de como ele faz
Eu gosto de sentir as formas do seu corpo
Dos seus ossos
E de sentir o tremor firme e doce
De quano lhe beijo
E volto a beijar
E volto a beijar
E volto a beijar

Vinicius de Moraes

Amo-te
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude .

10 julho 2007

Átomo

Eu já fui cometa, já fui montanta e já fui árvore.
Hoje sou poeta.
E em cada canto do Universo
Um átomo meu invade, reage e completa
A destemida saga de ser, eu mesmo, um Deus.

Da Praia


Eu já nem me lembro
Daquela areia branca, aquele mar,
Aquela espuma ondulante
Nas rochas a se precipitar.
E das pedras portuguesas?
Na branca e na preta
Que quando criança eu adorava surfar,
Braços abertos, equilibrista do calçadão
Fazendo graça nas manhãs de domingo.
Do som dos molinetes na ponta do Leme
Pouco chega aos meus ouvidos
Desacostumados a esses sons despreocupados.
E das cores das cangas das morenas
Pouco se lembram meus olhos cansados,
Ardendo poluídos por outros ares e olhares.
E aquele cheiro de protetor solar...
De queijo coalho...
Ou simplesmente da brisa fresca do mar.
Das tardes de diferentes matizes
No céu a derramar,
V a g a r o s a m e n t e,
Um anoitecer estrelado sobre a minha cidade.
Não há aplausos que bastem
Para aquele pôr-do-sol.
Não há lembrança que console
A minha eterna saudade.

Sossega, coração! Não desesperes! (Fernando Pessoa)

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.


Fernando Pessoa, 2-8-1933.

05 julho 2007

A dama na janela

Mas, ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tão cheio
De luz tão viva, que abrasasse tanto!
(Olavo Bilac)

Lá estava ela,
Flor de jasmim incandescente
Repousada inocente
Na sacada da janela.
Nem poderia imaginar
Que andando na calçada em frente
Um jovem andarilho tinha em mente
Mil pecados sem ousar contar.
Aceno meio displicente.
Ela responde com um sorriso no olhar.
A lua crescente e quase cheia
Lhe aumentava o brilho dos cabelos
Negros, novelos profundamente abissais.
E o seu perfume tinha o hálito
De um campo de rosas vermelhas
Na aurora das manhãs outonais.
As finas mãos e aqueles leves cotovelos
Tão alvos, tão belos, tão meus em pensamento,
Tocavam o azul da moldura da aquarela
De onde o seu sorriso,
Colar de Pérolas,
Iluminado, iluminava à noite
As ruas de pedra do velho casarão em Tiradentes.
E na janela, aberta pro infinito,
Nem mesmo a Via Láctea cintilaria como ela.
Tal qual uma chama num quadro fluorescente
Paira, linda, a minha donzela.
Ó bailarina dos meus sonhos!
Ó Deus dos mundos!
Quem fez esta mulher tão bela?

03 julho 2007

Rouxinol

Hail to thee, blithe spirit! Bird thou never wert!

Shelley

Nunca fui de entender de sentimento.
Mas nesse canto, não mais que emudecia.
Calaram-se também o corvo, a cotovia,
Pois rouxinol vai murmurar seu sofrimento.

O pássaro tristonho pendurado ao vento
Voava pro horizonte enquanto anoitecia
Cantando ao longe um canto que sumia,
Que do meu quarto acompanhava atento.

Ele, ancorado na descampada ermida,
Do telhado lembrava milagrosamente à vida
Que na tristeza jamais estamos sós.

E o rouxinol no mavioso canto
Não saberia que seu sofrido pranto
É só o eco da minha própria voz.


(julho/07)