15 maio 2007

A casada infiel (Frederico Garcia Lorca)



(A Lydia Cabrera
e à sua negrinha)

E eu que fui levá-la ao rio
Certo de que era donzela,
Mas bem que tinha marido.
Foi a noite de São Tiago
E quase por compromisso.
As lâmpadas se apagaram
E se acenderam os grilos.
Já nas últimas esquinas
Toquei seus peitos dormidos,
Que de pronto se me abriram
Como ramos de jacinto.
A goma de sua anágua
Vinha ranger-me no ouvido
Como seda que dez facas
Rasgassem em pedacinhos.
Sem luz de prata nas copas
As árvores têm crescido
E um horizonte de cães
Ladra bem longe do rio

Após franqueadas as brenhas,
Franqueados juncos e espinhos,
Por baixo de seus cabelos
Fiz um ninho sobre o limo.
Eu tirei minha gravata.
Ela tirou seu vestido.
Eu, cinturão e revolver.
Ela, seus quatro corpinhos.

Nem nardos nem caracóis
Têm cútis com tanto viço,
Nem os cristais sob a lua
Alumbram com igual brilho.
Sua coxas me escapavam
Como peixes surpreendidos,
Metade cheias de lume,
Metade cheias de frio.
Galopei naquela noite
Pelo melhor dos caminhos,
Montado em potra nácar
Sem rédeas e sem estribos.
As coisas que ela me disse,
Por ser homem não repito
Faz a luz do entendimento
Que eu seja assim comedido.
Suja de beijos e areia,
Eu levei-a então do rio.
Contra o vento se batiam
As baionetas dos lírios

Portei-me como quem sou.
Como gitano legítimo.
Dei-lhe cesta de costura,
Grande, de cetim palhiço,
E não quis enamorar-me,
Pois ela, tendo marido,
Me disse que era donzela
Quando eu a levava ao rio.

A noite na ilha (Pablo Neruda)



Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.

13 maio 2007

Ser Mãe (Coelho Neto)


Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração! Ser mãe é ter no alheio
lábio que suga, o pedestal do seio,
onde a vida, onde o amor, cantando, vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormindo! É ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equilibra!

Todo o bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!

12 maio 2007

O Cordeiro (William Blake)

O Cordeiro
Cordeirinho, quem te fez?
Pois tu sabes quem te fez?
Deu-te a vida e deu-te pasto
Ribeirinho e largo prado
Deu-te roupa de delícia
Lã macia sem malícia
& deu-te esta voz tão terna
Alegrando toda a terra:
Cordeirinho, quem te fez?
Pois tu sabes quem te fez?
Cordeirinho, vou dizer-te,
Cordeirinho, vou dizer-te!
É chamado por teu nome
Pra si mesmo dá teu nome
Ele é meigo e moderado
De menino Ele é chamado:
Eu menino e tu cordeiro
Temos hoje o nome Dele.
Cordeirinho, Deus te crie.
Cordeirinho, Deus te crie.

O Tygre (William Blake)


O Tygre
Tradução: Augusto de Campos

Tygre! Tygre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,
que olho ou mão armaria
tua feroz symmetrya?

Em que céu se foi forjar
o fogo do teu olhar?
Em que asas veio a chamma?
Que mão colheu esta flamma?

Que força fez retorcer
em nervos todo o teu ser?
E o som do teu coração
de aço, que cor, que ação?

Teu cérebro, quem o malha?
Que martelo? Que fornalha
o moldou? Que mão, que garra
seu terror mortal amarra?

Quando as lanças das estrelas
cortaram os céus, ao vê-las,
quem as fez sorriu talvez?
Quem fez a ovelha te fez?

Tygre! Tygre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,
que olho ou mão armaria
tua feroz symmetrya?

09 maio 2007

Rua do Riachuelo




















Rua do Riachuelo em 1915 e 2006


Em minha última visita ao Rio de Janeiro, voltei a andar pela Rua do Riachuelo nas proximidades do Bairro de Fátima onde residia antes de vir morar em São Paulo. Foi com uma agradável surpresa que reparei tapumes cercando o chafariz no número 173 onde funciona a fabrica das Persinanas Planalto. Há cerca de 2 anos eu mesmo enviei email para a Prefeitura e para o IPHAN solicitando a reforma do monumento em virtude das obras de revitalização daquele área que estavam sendo realizadas, mas pareciam não contemplar a antiga bica.

A história da rua e do chafariz, assim como tantas outras do centro do Rio de Janeiro, remonta ao século XVI, XVII. Reproduzo um pequeno trecho por curiosidade. Mais informações podem ser encontradas nos links na sessão Rio de Janeiro.

Na segunda metade do século XVI, as pedras jesuítas já possuíam dois engenhos de açúcar: o 'Velho", no local onde hoje se encontra a Igreja de São Francisco do Engenho Velho, na Rua São Francisco Xavier, e o "Novo", que deu o nome ao atual subúrbio de Engenho Novo.

O acesso a eles se fazia através de um caminho que, saindo dos Arcos, contornava o Morro do Desterro (hoje Morro de Santa Teresa) e atingia a Lagoa da Sentinela (compreendendo até o atual largo onde se cruzam a Avenida Mem de Sá, a Rua Frei Caneca e a Rua de Sant'Ana), procurando a antiga aldeia de Martim Afonso, o Araribóia. Daí, a trilha seguia rumo aos engenhos e a São Cristóvão. Por esse motivo recebeu, originariamente, as denominações de Caminho que vai para o Engenho Pequeno, Caminho para a Lagoa dos Sentinela e Caminho que vai pare São Cristóvão. No final do século XVII, à esquerda deste caminho, havia uma grande chácara que possuía uma bica para uso dos viajantes. Em conseqüência, passou a ser conhecido como Caminho da bica. Tortuoso, cheio de barrancos e atoleiros que dificultavam a passagem dos animais e muitas vezes os matavam, o Caminho da Bica mudou seu nome para Caminho (ou Estrada) de Mata-Cavalos. Em 1848, de estrada passou a ser rua. Tendo sido substituída aquela primitiva bica por um chafariz, em 1772, e sendo dotada de um outro, construído em 1817 pelo Desembargador do Paço e Intendente Geral da Polícia, Paulo Fernandes Viena, após conseguir a doação do terreno do Tenente Coronel Cláudio José Pereira da Silva. Segundo o arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles, as dimensões do Chafariz foram reduzidas pelas várias reformas, "que lhe conservaram, no entanto, em muita boa cantaria, o tanque, as pilastras e a cartela com os dizeres: - O Rei por bem de seu povo M.F.E.O (mandado fazer e oferecido) pela Polícia - 1817".

A rua foi aberta em terrenos altos e secos quando a maioria das ruas cariocas se constituía ainda em verdadeiros pantanais logo se transformou a Rua de Mata-Cavalos numa das preferidas da gente rica ou fidalga. Caracterizava muito bem a vida urbana dos anos 800, no Rio de Janeiro. De tal modo que Machado de Assis faz-lhe várias referencias em suas obras, localizando nela, entra tantos personagens, Capitu, a protagonista de Dom Casmurro, um dos mais discutidos romances da literatura brasileira.

Em 4\7\1875, numa homenagem "aos feitos brilhantes da armada nacional no dia 11 de junho nas águas do Paraná", durante a Guerra do Paraguai, a Câmara Municipal propõe a mudança do nome da Rua de Mata-Cavalos para Rua Riachuelo. Onze dias após, a proposta foi aprovada por portaria do ministro do Império.

Bastante ligada à vida do antigo Morro do Desterro, a Rua Riachuelo tem suas tradições e histórias. Antes dos bondes sobre os Arcos, era por ela que melhor se subia a Senta Teresa. Na altura da Rua Francisco Muratori de nossos dias, inaugurou-se, em 1883, um elevador pare Paula Matos, servido por uma torre de 38 m. Nas suas proximidades na Ladeira do Castro, ficava a estação do plano inclinado do Engenheiro Januário Cândido de Oliveira, que deu origem ao nome da travessa que faz a conexão entre a ladeira e a Rua Monte Alegre.Nesta, moraram e morreram o republicano Benjamim Constante e o Conselheiro Andrade Figueira, monarquista, preso em 1900 sob a acusação de chefiar uma conspiração contra a República. Em 1937, ainda na Rua Monte Alegre, foi edificada, pelos russos brancos, a Igreja Ortodoxa de Santa Zinaida. Quase na sua esquina com Riachuelo, o povo podia tomar banhos frios de cachoeira, numa casa famosa do Rio Antigo, com vasta chácara onde havia um pequeno jardim zoológico.

Ao tempo de Dom Pedro II, na Rua Silva Manuel (atual André Cavalcanti) ficava o consultório do Dr. Mateus de Andrade, médico que, em 1869, neste local e com a ajuda de seu assistente, Dr. Andrade Pertence operou a perna do poeta Castro Alves. Em 1870, Transferiu-se para a Rua Mata-Cavalo definitivamente, o hospital da Ordem do Carmo, fundado em 1773. Em 1930, a Rua Riachuelo assistiu a um crime político: um paraibano exaltado matou a tiros o Deputado João Suassuna, julgando-o responsável pelo assassinato de João Pessoa, no Recife.