31 outubro 2006

Militância ou Intolerância?


Essa aconteceu há duas semanas, mas não lembro de ter sido divulgada na TV.

Daniela Tristão, 38 anos, publicitária, vota em Lula. No início da madrugada de segunda-feira (16), depois de ter participado de uma caminhada de Ipanema ao Leblon em defesa da candidatura petista, ela passou pelo bar Bracarense e chegou ao Jobi, no baixo Leblon. Ela, o marido Juarez Brito e um casal de amigos, Mirna e Zé. Ela e Mirna usavam camiseta com o escrito "Lula sim". Logo à chegada, foram recebidos com apupos, vaias e ofensas. Depois de discussão, Daniela pagou a conta e decidiu ir embora. Já na calçada, foi atacada a dentadas pela tucana Ana Cristina.

Fonte: (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1197152-EI6578,00.html)

Já no blog do Arnaldo no O Globo, há um e-mail de um senhor chamado Arthur Motta, marido da senhora que decepou, com uma mordida, o dedo da petista no Jobi. Segundo ele o que aconteceu foi desencadeado pela "tropa de choque de militantes do PT" que perturbou a calma do bar, ofendeu os frequentadores e atacou a sua esposa com um tapa no rosto e depois com unha no olho, tendo ela nesse instante, reagindo em legitima defesa, decepado a última falange do dedo anular da petista.


Versões diferentes para uma mesma infâmia. O que teria sido isso? Apenas um grande mal entendido durante a madrugada num bar do Leblon com um desfecho trágico ou mais um dos tantos momentos de intolerância da sociedade que vivemos?

Estamos acostumados a ouvir falar sobre intolerância como algo distante de nós e o Oriente Médio é sempre um bom exemplo de ações movidas pela intolerância, que acabamos por esquecer daquela que se senta ao nosso lado num bar ou no engarrafamento nosso de cada dia. E isso acontece porque não queremos perder. Não podemos perder. Vivemos a tal ponto uma competição diária por espaço e reconhecimento, que qualquer coisa contrária a nossa vontade já é vista como uma agressão pessoal. Experimente discordar de alguém por uma coisa banal...eu costumo fazer isso com alguns amigos e familiares. Chega a ser engraçado quando a pessoa percebe que eu estou agindo daquela forma de propósito. (falarei sobre isso em outra oportunidade ao comentar o sequestro da amidala). Podem me cobrar.

Eu tenho uma história sobre intolerância que aconteceu quando eu tinha uns 16 anos. Eu ajudava no treinamento das categorias de base da escolinha de futsal do clube que era sócio. Isso tem tanto tempo que nem me lembro se as categorias ainda tem o mesmo nome. Naquela época eram fraldinha, dente-de-lente, infantil, juvenil etc. Treinávamos a molecada e organizávamos campeonatos com outros clubes do Rio. A idéia era fazer aquela festa com uniforme, torcida organizada e como as crianças em sua grande maioria eram muito pequenas, faziamos a premiação de todos que participavam independente de colocação.

Acontece que nesse meio sempre existe algum pai frustrado que tenta passar para o filho o talento que não tinha, mais o desejo que sempre teve de ser jogador de futebol. Numa certa partida de um campeonato, havia um menino muito bom tecnicamente que fazia fila com a molecada do outro time. Algo como um Ronaldinho em miniatura. O moleque era muito bom realmente e tinha até cartaz com o nome dele. O pessoal dos outros clubes e até quem não tinha nada a ver com a história, sempre lotava o ginásio quando o garoto ia jogar. Era uma sensação.

Pois bem....voltando ao pai frustrado, partida até de purrinha em clube do suburbio sempre é regada a cerveja e aquele churrasquinho em roda de escort. E se não me falha a memória, Abolição e "adjacenças" eram os lugares que mais consumiam cerveja no Rio e que mais tinham escorts depenados. Com isso, adicionamos o combustível fundamental para uma boa confusão. Muita gente, muita bebida e um garoto de 7 anos que entortaria a maioria dos adultos mangüaçados já pra lá de Cascadura às 2 horas da tarde.

A partida nem estava na metade do primeiro tempo e o moleque já tinha feito uns 4 gols. Foi nessa hora que o pai em questão, pai do beque-parado (nem se usa mais esse termo hoje em dia), equilibrando com maestria uma lata de cerveja numa das mãos e um espeto de carne com farofa na outra, grita para o filho que já não sabia mais o que fazer para parar o pestinha do time adversário:

- Quebra a perna dele!!!!
(nunca irei esquecer esse grito)

Bom, não é preciso dizer mais nada para imaginar o que acontece quando alguém grita uma bobagem dessas para o filho de 6 anos ao lado do pai do melhor jogador da partida. Em questão de segundos se formou uma guerra generalizada do lado de fora da quadra com todo tipo de artefatos. Bandeiras, copos de vidro e descartavéis, latas de cerveja e refrigerante, cadeiras de plástico e até a maçaneta da porta do banheiro foram algumas das coisas que, do banco de reservas, eu conseguia ver voando de um lado a outro das torcidas.

Nessa hora os meninos simplesmente pararam com o jogo sem que houvesse a intervenção do arbitro e começaram a chorar no meio da quadra ao verem seus pais brigando nas arquibancadas. Nunca vi uma cena daquelas. Foi então que o técnico da nossa equipe mandou que eu fizesse uma coisa que só fazíamos no final do jogo. Corri até a bolsa com o material esportivo dos pivetes, peguei a caixa de bombons e joguei os bombons na quadra. Foi o que fez com que as crianças dos dois times se desligassem do tumulto que já estava sendo contornado pelos seguranças e pela turma-do-deixa-disso, e corressem para pegar a chuva de bombons.

Esta foi a primeira vez na vida que vi de perto a face bestial da intolerância e de como podemos ser estúpidos por coisas tão banais.

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