26 agosto 2007

De Alma em Alma (Cruz e Souza)


Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuário em santuário.
És o secreto e místico templário
As almas, em silêncio, contemplando.

Não sei que de harpas há em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivário
Que lembras reverências de sacrário
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
Atrás de um belo mundo indefinido
De silêncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverências!
A alma da Fé tem dessas florescências,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!

Canção (Cecília Meireles)

Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!

Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
o lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!

Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...

Somos todos poetas (Murilo Mendes)

Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.

A Morte não existe (John McCreery )

Não existe a morte. Os astros se vão
Para surgirem em outras terras e
Sempre brilhando no diadema celeste,
Espalham seu fulgor incessantemente.

Não existe a morte. O chão que pisamos
Converter-se-á pelas chuvas estivais,
Em grãos dourados; em doces frutos;
Em flores que luzem suas policromias.

Não existe a morte. Embora lamentemos
Quando o corpo denso de seres queridos
Que aprendemos a amar, sejam levados
De nossos amorosos braços, agora vazios.

Eles não morreram. Apenas partiram,
Rompendo a névoa que nos cega aqui;
Para nova vida, mais ampla, mais livre,
De esferas serenas, de brilhante Luz.

Embora invisíveis aos nossos olhos;
Continuam nos amando. Estão connosco.
Nunca esquecem os seres queridos,
Que pelo mundo, atrás deixaram.

Não existe a morte. As folhas do bosque
Convertem em vida o ar invisível;
As rochas se desintegram para alimentar
O faminto musgo que nelas se agarrou.

Não existe a morte. As folhas caem;
As flores murcham e desaparecem;
Esperam apenas durante as horas hibernais
O retorno do suave alento da Primavera.

Embora com o coração despedaçado,
Coberto com as negras vestes de luto,
Levemos seus restos à obscura morada
E digamos que eles morreram.

Apenas despiram suas vestes de barro,
Para revestirem com trajes cintilantes.
Não foram para longe, não nos deixaram;
Não se perderam; nem mesmo partiram.

Por vezes sentimos na fronte febril,
Suave carícia ou balsâmico alento;
É que nosso espírito ainda os vê,
E nosso coração se conforta e tranquiliza.

Sempre juntos a nós, embora invisíveis,
Continuam esses queridos espíritos imortais;
Pois, em todo o infinito Universo de Deus,
Só existe Vida - NÃO EXISTE MORTE.


John Luckey McCreery (1835 - 1906)

25 agosto 2007

Os Homens Ocos (T.S. Eliot)


"A penny for the Old Guy"

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.

II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular

III

Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.

IV

Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos

Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio

Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.

V

Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada

Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino

Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.

(tradução: Ivan Junqueira)

Tabacaria (Álvaro de Campos)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
.
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
.
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
.
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
.
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos, 15-1-1928

20 agosto 2007

O Guardião

Abre-te Sésamo lacrado!
Segredo Hermético guardado
De um nefasto andarilho errante.
Guarda-te à porta dos mistérios.
Porta-te, Guardião Etéreo,
Impávido e aguarda
Chegarem as hordas do Inferno.
Segue o imaculado infante
Tombando as bestas sanguinárias,
Esperando que as cavalarias templárias
Lhe socorram no derradeiro instante.
Mesmo em meio ao fogo lancinante,
Faz-te em espada e lança - te,
E sendo um raio fulminante, combate
Manchando de vermelho sangue
As planícies sombrias de Hécate.
Deixa passar a pomba e o cordeiro.
Esmaga sem dó o corvo e o morcego.
Vai e retorna ao Olimpo do qual tu mesmo é Zeus.
Pois se o Apocalipse te chegasse hoje,
Em tua bela e já franzida fronte
Não encontraria nenhuma falsa marca de Deus.

19 agosto 2007

Ralph Waldo Emerson

"Ser você mesmo em um mundo que está constantemente
tentando fazer de você outra coisa é a maior realização."

Cidade Mulher (Noel Rosa)

Domingo nublado em São Paulo; bateu uma saudade do meu Rio de Janeiro. Vou de Noel, de Vila Isabel, pra recordar um pouco a minha cidade.

..........

Cidade de amor e ventura

Que tem mais doçura

Que uma ilusão

Cidade mais bela que o sorriso

Maior que o paraíso

Melhor que a tentação

Cidade que ninguém resiste

Na beleza triste

De um samba-canção

Cidade de flores sem abrolhos

Que encantando nossos olhos

Prende o nosso coração



Cidade notável

Inimitável

Maior e mais bela que outra qualquer

Cidade sensível

Irresistível

Cidade do amor, cidade mulher



Cidade de sonho e grandeza

Que guarda riqueza

Na terra e no mar

Cidade do céu sempre azulado

Teu sol é namorado

Das noites de luar

Cidade padrão de beleza

Foi a natureza

Quem te protegeu

Cidade de amores sem pecado

Foi juntinho ao Corcovado

Que Jesus Cristo nasceu.

18 agosto 2007

Honoré de Balzac


Dentre todas as criaturas, a mulher é a mais perfeita:
é uma criação transitória entre o homem e o anjo
18 de agosto: 157 anos do falecimento do escritor francês

Congresso Internacional do Medo (Carlos Drummond de Andrade)

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medoe sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Um Beijo (Olavo Bilac)

Foste o beijo melhor da minha vida,
Ou talvez o pior...Glória e tormento,
Contigo à luz subi do firmamento,
Contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
Queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
E do teu gosto amargo me alimento,
E rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
Batismo e extrema-unção, naquele instante
Por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto,
Beijo divino! e anseio, delirante,

Na perpétua saudade de um minuto...

16 agosto 2007

Corredeiras

Mira essas colinas verdes
De onde o vento espalha
Um movimento ondulante pelos ares.
Mira esse riacho doce
E a correnteza a murmurar
Doces canções de amores
Que até hoje escuto no cair da noite.
Daquelas noites que perdemos tempo -
Daquele tempo que nos perdemos em nós
Tentanto nos encontrar depois de tantos desencontros.

Na beira do doce riacho
Eu cantei teu nome, colhi estrelas e cultivei tempestades.
E tu me destes a melodia de teu coração
Enquanto eu adormecia ainda arfando
Sobre o teu seio nu.
Naquelas noites quase insones
O mundo era só nosso - nosso pequeno mundo
E o tempo escorria ligeiro
Como a água entre as pedras do rio.
Como eu que também percorria afoito
As pedras lisas de tuas pernas e coxas.

Mira esse último luar que ja não encontra nós dois
Ali, no leito, no rio...
Recorda também essa saudade
Que me desperta e remete ao passado.
Que me ensinou a amar todas as corredeiras e chuvas.

13 agosto 2007

4o. Motivo da rosa (Cecília Meireles)

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.

07 agosto 2007

Os Sapos (Manuel Bandeira)

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos!

O meu verso é bom
Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas . . ."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei" - "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!"

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio.

O Navio Negreiro (Castro Alves)


...Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
...

Asa de Corvo (Augusto dos Anjos)


Santo Expedito era comandante-chefe da XII Legião Romana, aquartelada na cidade de Melitene, hoje Armênia, no final do século III. Antes de sua conversão ao Cristianismo, tinha uma vida devassa. Quando Santo Expedito estava para se converter, apareceu-lhe um espírito do mal, na forma de um corvo, grasnando CRAS - que em latim significa AMANHÃ - mas esse grande santo pisoteou o corvo, bradando HODIE, que significa HOJE, confirmando sua urgente conversão.Cristão convertido, assim como toda a sua tropa, Expedito foi vítima da ira do imperador Diocleciano. A imporância de seu posto fazia dele um alvo especial do ódio do imperador. Foi flagelado até sangrar e depois decapitado pela espada.

....................................


Asa de corvos carniceiros, asa,
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre ás vezes o espaço e cobre ás vezes
O telhado de nossa própria casa...

Perseguido por todos os revezes,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto á brasa,
Como os Goucourts, como os irmãos siamezes!

É com essa asa que eu faço este soneto
E a indústria humana faz o panno preto
Que as famílias de lucto martyriza...

É ainda com essa asa extraordinária
Que a Morte - a costureira funerária-
Cose para o homem a última camisa!


05 agosto 2007


"Quem receber a verdade com resignação nunca terá que sacar a sua espada afoitamente."
(Morihei Ueshiba)