31 julho 2008

Muros (Konstantinos Kaváfis)


Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta altos muros de pedra.

E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio me depreda.

E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.

Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.

(tradução de José Paulo Paes)

Debaixo do Tamarindo (Augusto dos Anjos)




No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos.

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!

25 julho 2008

Poesia V


"Ninguém ignora que a poesia é uma solidão espantosa,
uma maldição de nascença, uma doença da alma."
Jean Cocteau

Poesia IV

"A poesia não tem presente: ou é esperança ou saudade."

Camilo Castelo Branco

21 julho 2008

Fotografias


Nós pairamos, em fotografias,
Como se suspensos e eternamente congelados.
Pairam impressas, no papel retangular,
Memórias e lembranças de um passado.
Fotografias vivas em adornos crespos,
Em preto e branco, em sépia, em cinza.
Nos álbuns de família, registradas.
Festas, casamentos, nascimentos...
Viagens, almoços e aniversários.
Mas faltam folhas de papel vegetal
Entre uma foto e outra.
Hoje, tudo é digital.
Ninguém mais abre as portas
Da velha estante de madeira nobre,
E dentro de enormes caixas,
Revira e volta a reviver a vida
Em folhas soltas de desbotado brilho.
Ninguém mergulha mais
Naquelas caixas abissais
Que na minha infância,
Nas minhas investigações de criança,
Lançavam luzes sobre os meus avós.
E elas seguem em tenebrosa sombra,
Lutando contra o esquecimento e a umidade,
Aguardando que um dia, quem sabe?,
Algum bisneto as venham resgatar

Poesia III


"Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo."

John Keats

Poesia II


"A poesia é tudo o que há de íntimo em tudo."
Victor Hugo

Imagem: Eros e Psiquê - Gérard, 1798 Musée du Louvre, Paris

Poesia I


"Sempre se admitiu que a poesia participava do divino porque eleva e arma o espírito submetendo a aparência das coisas aos desejos da alma, enquanto a razão constrange e submete o espírito à natureza das coisas."

Fonte: Francis Bacon em "O Progresso do Conhecimento"

10 julho 2008

Minhas Faltas

Que falta eu sinto de tudo...
De tudo que não vivi.
Saudades de um tempo perdido;
Que falta tu fazes em mim
Que falta no mundo de hoje?
Num tempo em que ninguém faz falta,
Eu canto, sentido, a minha;
Que falta tu fazes em mim.
Não vou abraçar madrugadas
Nem transbordar o teu vinho.
Não vou apontar estrelas
Nem renovar meus carinhos.
Num canto a minha alma vagueia,
E ninguém mais pode sentir,
Na solidão sonora e silente,
Que falta tu fazes em mim.