11 janeiro 2008

Carambola

Lanço-te meu beijo
Como um pássaro tonto
Nos torvelinhos de uma tempestade.
Lanço-me em teus braços
Em espirais de desejo,
Tonto de saudade.

Ergo-me sem esperanças
Na vívida hora dos sonhos
A espreitar tua vontade.
Doce, lânguida e fremente
Senhorita dos moinhos,
Vento da minha liberdade.

Menina esperta e formosa,
Beleza de ave, morena.
Negros cachos de eternidade.
E eu, cavaleiro andante,
Sofro atrás desses passos
Por toda essa mocidade.

Sigo o sabor carambola
Na boca que arde, e demora
Na longa hora que invade
O meu sonho de infante.
Da menina que segue faceira
Fugindo de mim só por maldade.

07 janeiro 2008

A Visita



Fechou-me a solidão como mortalha,
Fazendo paralíticos os meus sentidos.
Num negro e vasto limbo de amarras
Abateram-se sobre esses ombros lisos,
Fardos, pesos soltos a reabrir as chagas.
A Depressão, silenciosa Dama dessas horas,
Minha visita no corredor das madrugadas,
Que se por acaso me encontra entorpecido,
No leito sujo, quase adormecido
Por sobre pilhas de livros, cantando
Uma história que não conto agora,
É porque é uma velha conhecida
A visitar o paciente desse quarto.
Mas não traz sopas nem ungüentos
Só a Solidão em pratos rasos.
E como lhes transbordam os lamentos
Ao sabor acre daquela tirana senhora
Espreitando-me ao pé da cama
E aguardando a minha morte
Que não chega, mas também não tarda.

Afasta-te de mim, madame peçonhenta!
Segue o teu caminho atormentando os mortos!
Arranca do meu peito essa dor cinzenta!
Afaste-te, sorrateira, dessas cobertas coloridas,
Pois vejo tuas intenções acobertadas
Na ironia maligna desse teu riso tísico
E no dedilhar desses teus dedos tortos.
Chagas, dores, febres, cem feridas
E esse cheiro nauseante de enxofre
Que se espalha pelo espaço físico.
Será o meu martírio, será o meu açoite
Esperando enganar meu medo hirto
Do enganador que me aguarda?
Cheiro pútrido, odor embolorado,
Fumega a carne, o fogo não se apaga,
E eu aqui fitando as fuças do Diabo.
Socorre-me, longa e ingrata madrugada,
Por que não trazes logo a luz do dia?
Por que não me adormeces mais?
Por que tenho que ficar na companhia
Da Solidão, da Depressão
E desses seres infernais?

03 janeiro 2008

Temporal

Dai-me essa água clara
Dos céus tombada,
Água das tardes de verão
Que me encontram agora.
Dai-me mundos,
Céus escuros e trovoadas
E essa torrente de água
Encantada, faíscas prateadas
Sob a luz da minha cidade.
Dai-me esses sons rolantes,
Pingos em castatas
Sobre telhas de argila, zinco
E amianto,
Dai-me esse pranto
Próprio dos salões da igreja,
Testemunhas do retalhar nos vitrais.
Dai-me a certeza da chuva que cai
Em tardes quentes de mormaço
Que recolhe os passarinhos,
Mas liberta as crianças
Nas poças d’águas,
Meias encharcadas,
Gargalhadas de moleques,
Ventos repentinos,
Pipas para sempre perdidas,
Infância brevemente reencontrada.