29 junho 2007

A Pinta Dela (Raul Pederneiras)

Se tua fronte meiga descansas,
Pondo em realce negro botão,
Da cor trevosa de tuas tranças,
— Nasce-me um ponto... de exclamação! —

Ponto de treva! Doces lembranças
Trazes-me à alma, num turbilhão;
Dulçoso ponto das esperanças
Que me despontam no coração.

Liliputiano, grácil enfeite,
Lembra uma pulga num mar de leite,
A tua pinta que o rosto aninha.

Se o Almirante Colombo, um dia,
Visse teu rosto, certo diria:

— "Santa Maria!... Que pinta, niña!"

28 junho 2007

Fio de Prata

‘ou o cordão de prata se solte
ou o vaso de ouro se parta’.
Eclesiastes – Cap. 12 – Vers. 6

Uma brisa
Do mar,
De leve.
Uma brisa morna
Que me carregue
A um dia qualquer,
A qualquer lugar.
A uma procissão,
Num bloco carnavalesco.
De um comício
A um lúgubre cortejo.
Sem convites,
Sem acompanhamento.

Tristes tardes!
Caminhadas sozinho
No meio da multidão.
Da Ouvidor à Henrique Valadares.
Tristes tardes...
Noites quentes!
Quentes e insones
Na boêmia, na Lapa,
Da varanda olhando a copa
Das árvores sob um último luar.
Ah, e esse tênue fio de prata,
Cor de minha mortalha,
A me segurar.

(junho/07)

24 junho 2007

Borboleta


Borboleta, pende ainda
A tua alma em corpo frágil, débil,
Pendulando pelo etéreo
Num vôo deveras vacilante.
Deus queira proteger-te
Das saíras, sabiás e lamparinas
Onde entregas o corpo ao fogo
Para a alma libertar.
Que conserve toda a cor,

Todo o viço, todo o baile.
No bater de tuas asas
Namorados cantam o mundo
E desfrutam seus amores.
E é só tua e deles
A beleza,
O sacrifício e
O sacerdócio
De amar as flores.

(junho/07)

Rio que passa

Diga menino!
Por onde esse Rio passa?
Qu´inda leva sorrindo
A água por toda a Praça,
Rolando nas pedras,
No liso, no limo - encharca
Banhando de dourados brilhos
As curvas por onde abraça.
Na beira do Rio há outros
Meninos ribeirinhos libertados,
Lavadeiras, bacias, cantigas.
A roupa (tão branca) surrada
Contra as mesmas rochas,
Com a mesma raça.
Diga menino!
Por onde esse Rio passa?
Perdido num tempo
Que não conhece mais dessas águas.
Outros rios não mais passam.
Por que esse insiste em passar assim?
Murmurando noite e dia,
Acordando à revelia
Bom até pra pescaria...

Diga-me Rio!
Por onde esse menino passa?

- Sou Rio isolado do mundo.
- Um Riso distante de mim.


(junho/07)

O Vaqueiro (Patativa do Assaré)



Eu venho dêrne menino,
Dêrne munto pequenino,
Cumprindo o belo destino
Que me deu Nosso Senhô.
Eu nasci pra sê vaquêro,
Sou o mais feliz brasilêro,
Eu não invejo dinhêro,
Nem diproma de dotô.

Sei que o dotô tem riquêza,
É tratado com fineza,
Faz figura de grandeza,
Tem carta e tem anelão,
Tem casa branca jeitosa
E ôtas coisa preciosa;
Mas não goza o quanto goza
Um vaquêro do sertão.

Da minha vida eu me orgúio,
Levo a Jurema no embrúio
Gosto de ver o barúio
De barbatão a corrê,
Pedra nos casco rolando,
Gaios de pau estralando,
E o vaquêro atrás gritando,
Sem o perigo temê.

Criei-me neste serviço,
Gosto deste reboliço,
Boi pra mim não tem feitiço,
Mandinga nem catimbó.
Meu cavalo Capuêro,
Corredô, forte e ligêro,
Nunca respeita barsêro
De unha de gato ou cipó.

Tenho na vida um tesôro
Que vale mais de que ôro:
O meu liforme de côro,
Pernêra, chapéu, gibão.
Sou vaquêro destemido,
Dos fazendêro querido,
O meu grito é conhecido
Nos campo do meu sertão.

O pulo do meu cavalo
Nunca me causou abalo;
Eu nunca sofri um galo,
pois eu sei me desviá.
Travesso a grossa chapada,
Desço a medonha quebrada,
Na mais doida disparada,
Na pega do marruá.

Se o bicho brabo se acoa,
Não corro nem fico à tôa:
Comigo ninguém caçoa,
Não corro sem vê de quê.
É mêrmo por desaforo
Que eu dou de chapéu de côro
Na testa de quarqué tôro
Que não qué me obedecê.

Não dou carrêra perdida,
Conheço bem esta lida,
Eu vivo gozando a vida
Cheio de satisfação.
Já tou tão acostumado
Que trabaio e não me enfado,
Faço com gosto os mandado
Das fia do meu patrão.

Vivo do currá pro mato,
Sou correto e munto izato,
Por farta de zelo e trato
Nunca um bezerro morreu.
Se arguém me vê trabaiando,
A bezerrama curando,
Dá pra ficá maginando
Que o dono do gado é eu.

Eu não invejo riqueza
Nem posição, nem grandeza,
Nem a vida de fineza
Do povo da capitá.
Pra minha vida sê bela
Só basta não fartá nela
Bom cavalo, boa sela
E gado pr’eu campeá.


Somente uma coisa iziste,
Que ainda que teja triste
Meu coração não resiste
E pula de animação.
É uma viola magoada,
Bem chorosa e apaxonada,
Acompanhando a toada
Dum cantadô do sertão.

Tenho sagrado direito
De ficá bem satisfeito
Vendo a viola no peito
De quem toca e canta bem.
Dessas coisa sou herdêro,
Que o meu pai era vaquêro,
Foi um fino violêro
E era cantadô tombém.


Eu não sei tocá viola,
Mas seu toque me consola,
Verso de minha cachola
Nem que eu peleje não sai,
Nunca cantei um repente
Mas vivo munto contente,
Pois herdei perfeitamente
Um dos dote de meu pai.

O dote de sê vaquêro,
Resorvido marruêro,
Querido dos fazendêro
Do sertão do Ceará.
Não perciso maió gozo,
Sou sertanejo ditoso,
O meu aboio sodoso
Faz quem tem amô chorá.

Body And Soul (Diana Krall)


My heart is sad and lonely
For you I sigh, for you dear only
Why haven't you seen it?
I'm all for you body and soul

I spend my days in longing
And wondering why
It's me you're wronging
I tell you I mean it
I'm all for you body and soul

I can't believe it
It's hard to conceive it
That you'd turn away romance
Are you pretending?
Looks like the ending
Unless I could have one more chance to prove
Dear, my life's a wreck you're making
You know that I'm yours for just the taking

I'd gladly surrender body and soul.

What am I to you? (Norah Jones)


What am I to you?

Tell me darlin' true
To me you are the sea
Vast as you can be
And deep the shade of blue

When you're feelin' low
To whom else do you go?
I'd cry if you hurt
I'd give you my last shirt
Because I love you so

Now if my sky should fall
Would you even call?
I've opened up my heart
I never want to part
I'm givin' you the ball

When I look in your eyes
I can feel the butterflies
I'll love you when you're blue
But tell me darlin' true
What am I to you?

If my sky should fall
Would you even call?
I've opened up my heart
I never wanna part
I'm givin' you the ball

When I look in your eyes
I can feel the butterflies
Could you find a love in me?
Would you gave me a tree?
Don't fill my heart with lies
I will love you when you're blue
But tell me darlin' true
What am I to you?

Um Ser de Luz (João Nogueira, Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro)

Um dia
Um ser de luz nasceu
Numa cidade do interior
E o menino Deus lhe abençoou
De manto branco ao se batizar
Se transformou num sabiá
Dona dos versos de um trovador
E a rainha do seu lugar
Sua voz então
Ao se espalhar
Corria chão
Cruzava o mar
Levada pelo ar
Onde chegava
Espantava a dor
Com a força do seu cantar

Mas aconteceu um dia
Foi que o menino Deus chamou
E ela foi pra cantar
Para além do luar
Onde moram as estrelas
A gente fica a lembrar
Vendo o céu clarear
Na esperança de Vê-la, sabiá

Sabiá
Que falta faz tua alegria
Sem você, meu canto agora é só
Melancolia
Canta, meu sabiá, voa, meu sabiá

Adeus, meu sabiá, até um dia

23 junho 2007

O Amor em Visita (Herberto Helder)


Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele — imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.

Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
— Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria!


Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.

E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.

- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.

Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.

E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.

Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

Ai de mim, Copacabana (Torquato Neto)


um dia depois do outro
numa casa abandonada
numa avenida
pelas três da madrugada
num barco sem vela aberta
nesse mar
nem mar sem rumo certo
longe de ti
ou bem perto
é indiferente, meu bem

um dia depois do outro
ao teu lado ou sem ninguém
no mês que vem
neste país que me engana
ai de mim, copacabana
ai de mim: quero
voar no concorde
tomar o vento de assalto
numa viagem num salto
(você olha nos meus olhos
e não vê nada -
é assim mesmo
que eu quero ser olhado).

um dia depois do outro
talves no ano passado
é indiferente
minha vida tua vida
meu sonho desesperado
nossos filhos nosso fusca
nossa butique na augusta
o ford galaxie, o medo
de não ter um ford galaxie
o táxi, o bonde a rua
meu amor, é indiferente

minha mãe, teu pai a lua
nesse país que me engana
ai de mim, copacabana
ai de mim, copacabana
ai de mim, copacabana
ai de mim.
(musicada por Caetano Veloso)

O Bordado Cruel (Alexei Bueno)




Quando era noite, atrás daquela porta,
junto a uma vela duas velhas riam
Matando aos poucos uma aranha torta.

E a alegria que elas dividiam
Poucos tiveram já no mundo um dia,
Mas os que a achavam sempre a bendiziam.


Cheia de medo, a criatura fria
Dançava horrível rente de uma chama
Que lentamente o corpo lhe roía,


E as velhas rindo a observar da cama
Iam falando sobre de que modo
Com dor mais lenta um corpo vil se inflama.


Espécie estranha de um vivente lodo,
Sendo corcunda e só com sete pernas
A aranha uivava por seu corpo todo

Que se expandia em inchações externas
Causando às velhas, com o vermelho horrendo
Do seu ardor, as sensações mais ternas...


Emocionadas, com as mãos tremendo,
Vieram então com um bando de alfinetes
Que em cada pata foram se prendendo,


E a aranha presa de mil cacoetes
Foi só os espinhos de uma prata ardente
Que a recobria em infernais coletes.

E nesta arte foram indo em frente,
Depois agulhas, e um perfume ardido,
E ao fim de tudo uma tesoura ingente,


Até que o fogo e o animal vencido
Murcharam juntos sobre a mesa irada
Em mil pedaços de um negror transido,


E ambas as velhas, conhecendo o nada,
Com face imensa devoraram tudo
Que lhes restava da fatal jornada.


Enquanto, a olhá-las, um retrato mudo
De seu marido ia chorando as dores
Que o recobriam no ancestral escudo,

E todo o chão ia se abrindo em flores
E uma criança, que ninguém notara,
Pela janela olhava sem temores

E ia crescendo, e de uma forma rara,
Enquanto as velhas, enxugando as portas,
Varriam tétricas, na noite clara,

Todo o amargor das profecias mortas!

Cadela Rosada (Elizabeth Bishop)




[Rio de Janeiro]

Sol forte, céu azul. O Rio sua.
Praia apinhada de barracas. Nua,
passo apressado, você cruza a rua.

Nunca vi um cão tão nu, tão sem nada,
sem pêlo, pele tão avermelhada...
Quem a vê até troca de calçada.

Têm medo da raiva. Mas isso não
é hidrofobia — é sarna. O olhar é são
e esperto. E os seus filhotes, onde estão?

(Tetas cheias de leite.) Em que favela
você os escondeu, em que ruela,
pra viver sua vida de cadela?

Você não sabia? Deu no jornal:
pra resolver o problema social,
estão jogando os mendigos num canal.

E não são só pedintes os lançados
no rio da Guarda: idiotas, aleijados,
vagabundos, alcoólatras, drogados.

Se fazem isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?

A piada mais contada hoje em dia
é que os mendigos, em vez de comida,
andam comprando bóias salva-vidas.

Você, no estado em que está, com esses peitos,
jogada no rio, afundava feito
parafuso. Falando sério, o jeito

mesmo é vestir alguma fantasia.
Não dá pra você ficar por aí à
toa com essa cara. Você devia

pôr uma máscara qualquer. Que tal?
Até a quarta-feira, é Carnaval!
Dance um samba! Abaixo o baixo-astral!

Dizem que o Carnaval está acabando,
culpa do rádio, dos americanos...
Dizem a mesma bobagem todo ano.

O Carnaval está cada vez melhor!
Agora, um cão pelado é mesmo um horror...
Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô...!

1979

Despir não é apagar, é desenhar (Fabrício Carpinejar)



Todo homem ajuda a despir a mulher, todo homem tem pressa pela nudez, todo homem é ansioso pelo sexo, pelo seio, pelo corpo aquecido pela mão, como é solícito o homem para tirar a blusa, a tirar a saia, a tirar as meias.

Nem precisa pedir, ele já veio. Não se perde. Não se atrasa em seu próprio sangue.

Entende que a alegria é uma tristeza assustada. Entende que a tristeza é uma alegria calma. Alegre triste, triste alegre.

Para despir, o homem faz tudo certo, tudo exato, tudo educado e incisivo, tudo preocupado e generoso, é capaz de conversar cada assunto até o fim, mesmo que não goste. É capaz de conversar calado. Caso o homem amasse com a mesma vontade que tira as roupas da mulher.

Todo homem pretende se aventurar no declive, no recuo, na bondade do cheiro.

O homem nasceu para a recompensa, o sexo é sua recompensa, quer ser premiado pelo sexo, premido pelo sexo, não se duvidar pelo sexo, envaidecer-se pelo sexo. O homem acelera o zíper, desliza o pescoço como um fecho. Abre os braços em gola. Debrua a linha.

Do frio ao figo, do figo ao fogo, do fogo ao filho, sem retorno. Não tem certeza se vive ou morre, mas não deixa de avançar.

Desenrola a trama, destranca a porta, destrança as redes com cuidado noturno. Solta os cabelos dela: duplica-se na ternura.

Aprendemos a descolar o sutiã com o estalo de dois dedos, a puxar a calcinha com os pés, a beijar e soprar ao mesmo tempo, a dizer luxúria como se fosse simples, abafar a voz para gemer mais rápido. Fazemos no escuro, fazemos de olhos vendados, fazemos de costas, fazemos com os dentes.

Se necessário, somos facas, somos forcas, somos fracos.

Não subestime, somos exercitados a espiar com as unhas. Não há vestido que nos pregue peças. Não nos assusta o inverno e suas camadas de lã e suas camadas de básicas e suas camadas de segunda pele. Não nos incomoda a legging, as botas, os casacos com botões internos. Não pediremos explicações, não há mistérios que não sejam treinados. Enquanto beijamos, desvestimos. Enquanto passeamos, seguimos, obedientes, o novelo.

O homem é preparado para arrancar as roupas, para veranear no quarto. Para escutar o mar pelo vento das venezianas. O homem é a febre, o desejo infantil de ter logo, de ser logo, de não esperar o próximo assobio, o próximo ônibus, o próximo pensamento.

Natural e comum o homem que ajuda a despir a mulher. Raro é o homem que ajuda a mulher a se vestir depois.

Quem diz que Amor é falso ou enganoso (Camões)

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vão desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce, e é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.

Se males faz Amor em mim se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de Amor;
Todos os seus males são um bem,

Que eu por todo outro bem não trocaria.

12 junho 2007

Pablo Neruda


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.


Pablo Neruda

Amor e Medo (Casimiro de Abreu)


Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair cias tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...
Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

11 junho 2007

-Meu corpo, que mais receias? (Jorge de Sena)



-Meu corpo, que mais receias?
-Receio quem não escolhi.

-Na treva que as mãos repelem
os corpos crescem trementes.
Ao toque leve e ligeiro
O corpo torna-se inteiro,
Todos os outros ausentes.

Os olhos no vago
Das luzes brandas e alheias;
Joelhos, dentes e dedos
Se cravam por sobre os medos...
Meu corpo, que mais receias?

-Receio quem não escolhi,
quem pela escolha afastei.
De longe, os corpos que vi
Me lembram quantos perdi
Por este outro que terei.

II - O Meu Olhar (Alberto Caeiro)


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,

E a única inocência não pensar...

08 junho 2007

Blues


E no silêncio dessa Majestosa Noite,
Toda a Poesia me invade o Ser
Ao som desse Blues não tanto azul,
Ao som de um triste pensamento que ainda tenho.
Meus versos não têm nada de mistérios,
Só o puro sentimento que vive em mim,
Só a simples agonia do meu pequeno mundo...
- De Fantasia...


As horas vão embora uma a uma.
Meus olhos ainda turvos das lágrimas que choro,
Recusam-se a fechar-se...
Recusam-se a ceder a esse cansaço que me ronda.
Meu corpo tal como uma estátua dura,
Permanece rígido, imóvel, inabalável
E da mesma forma frio e solitário
Como esse meu pobre coração...
Pavio apagado de tantas saudades
Deixadas às margens de um caminho que nunca mais
[será traçado]...
- Triste Alegria...


A única parte do meu corpo que ainda tem vida,
Move-se ligeira à frente dos meus olhos...
Que há muito não sabem o que são cores
Ou o brilho de outra pupila dilatada.
Que há muito olham o mundo como quem olha um túmulo,
Como quem olha o Nada...
- Na Luz do Dia...


Minha mão, canhota desde o meu nascimento,
Escreve frases tortas por direitas linhas
É minha única companhia a preencher
O vazio imenso do meu Ser nesse momento.
Só ela traduz que ainda pode existir vida
Nesse corpo inerte e febril...
- Estrela Guia...

Mas a minha febre não é a da euforia juvenil
Que ficou perdida ao longo desses anos.
Anos que se foram como se vão os ventos...
- Vida Vazia...


Só tenho mesmo é o som desse Blues.
Triste e tocante como os meus pensamentos.
Algumas vezes vibrante como essa canhota mão
Que escreve essas poucas e confusas palavras azuis.
Nada mais....mais nada.
Nenhuma paisagem, nenhum sorriso de mulher,
Nem mesmo o som da algazarra das crianças...
Só eu e a madrugada.
Só Eu, o Blues...
E o grito sem ruído das minhas lembranças...
- Na Poesia.

(Setembro/98)

06 junho 2007

A Morte do Poeta

Morreu um trovador -
morreu de fome.
Acharam-no deitado no caminho:
(Álvares de Azevedo)

Morre um poeta.
Morre de sede.
Morre de fome e frio,
Que a Poesia só alimenta a alma,
E essa não tem estômago,
Nem abrigo do sol e da chuva.
Morre um poeta
Afogado nas próprias palavras
De amor, de saudades,
De sonhos insólitos
Ou de tão dura realidade.
Morre em lutas, batalhas sangrentas,
Em tempestades, tormentas.
Numa fuga em cada verso planejada.
Na solidão consciente
Plena de ausências.
No colo da mulher amada
Morre um poeta.
Sem saber por que está morrendo
Pois cada verso é ainda um espasmo
Cada lágrima uma penitência
Cada riso um risco de sarcasmo.
Morre mártir na literatura.
Às vezes guerreiro, outras, suicida.
Morre um poeta
Para quem o mundo foi sepultura
E a Poesia foi Vida.

(19/07/04)

O Vencedor (Augusto dos Anjos)

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

05 junho 2007

Joana D´Arc (Murilo Mendes)




E eu acabei deixando a data passar em branco. A donzela de Órleans morreu na fogueira no dia 30 de maio de 1431. Tenho fascinação pela personagem da guerreira que virou santa ou vice-versa.

Joana D´Arc

A menina Joana d'Arc.
O arco de Joana d'Arc.
A roda do arco de Joana d'Arc.
Os outros jogos de Joana d'Arc:
[a madressilva, a cotovia,
a cantiga, o bilboquê de Joana d'Arc.
O pão divino e o vinho, o queijo: os
[preitos de Joana D'Arc.
A adolescência de Joana d'Arc.
A abstinência de Joana d'Arc.
O "hombre" de Joana d'Arc.
A sombra de Joana d'Arc.
O coração de Joana d'Arc.
A comoção de Joana d'Arc.
A voz de Joana d'Arc.
As vozes de Joana d'Arc.
A fidalga Joana d'Arc.
A figadal Joana d'Arc.
O rei de Joana d'Arc.
O Ubu rei de Joana d'Arc.
O sim de Joana d'Arc.
O fogo de Joana d'Arc.
O lar de Joana d'Arc.
O altar de Joana d'Arc.
O arco-íris de Joana d'Arc.
A arcanização de Joana d'Arc.
* * *
O advir sem Bomba. Sem espada. A paz.
*
(Tradução:
Paulo de Toledo)
Murilo Mendes: poesia completa e prosa (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994)

Musa Consolatrix (1864) (Machado de Assis)


Uma lembrança de nosso maior escritor, Machado de Assis. Publico um poema em homenagem ao excelente artigo do blog Literatura & Rio de Janeiro do professor Ivo Korytowski sobre o Morro do Livramento com fotos da região. O blog do Ivo está na minha sessão de sites favoritos sobre o Rio de Janeiro aí ao lado. Acesso todos os dias e recomendo-o aos apaixonados pela cidade maravilhosa. Excelente!

Musa Consolatrix (1864)

Que a mão do tempo e o hálito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
Musa consoladora,
É no teu seio amigo e sossegado
Que o poeta respira o suave sono.

Não há, não há contigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
Enchem, povoam tudo
De íntima paz, de vida e de conforto.

Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa,
Que vales tu, desilusão dos homens?
Tu que podes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
À enchente das angústias;
E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcíone divina.

Musa consoladora,
Quando da minha fronte de mancebo
A última ilusão cair, bem como
Folha amarela e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me, - e terá minha alma aflita,
Em vez de algumas ilusões que teve,
A paz, o último bem, último e puro!

04 junho 2007

Só dói quando eu Rio (Moacyr Luz e Aldir Blanc)



Só fico à vontade
Na minha cidade
Volto sempre a ela
Feito criminosa
Doce e dolorosa
A minha história
Escorre aqui

Há quem não se importe
Mas a Zona Norte
É feito cigana
lendo a minha sorte
Sempre que nos vemos ela diz
Quanto eu sofri

E Copacabana
A linda meretriz-princesa
Loura mãe-de-santo
Com sua gargantilha acesa

Ela me ensinou pureza e pecado
A respiração do mar revoltado...
Rio de Janeiro
favelas no coração